terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Uma Mulher Chamada Guitarra


Uma mulher chamada guitarra


Vinicius de Moraes


Um dia, casualmente, eu disse a um amigo que a guitarra, ou o violão, era “a música em forma de mulher”. A frase o encantou e ele a andou espalhando como se ela constituísse o que os franceses chamam un mot d´esprit. Pesa-me ponderar que ela não quer ser nada disso; é, melhor, a pura verdade dos fatos.

O violão é não só a música (com todas as suas possibilidades orquestrais latentes) em forma de mulher, como, de todos os instrumentos musicais que se inspiram na forma feminina – viola, violino, bandolim, violoncelo, contrabaixo – o único que representa a mulher ideal: nem grande, nem pequena; de pescoço alongado, ombros redondos e suaves, cintura fina e ancas plenas; cultivada mas sem jactância; relutante em exibir-se, a não ser pela mão daquele a quem ama; atenta e obediente ao seu amado, mas sem perda de caráter e dignidade; e, na intimidade, terna, sábia, e apaixonada. Há mulheres-violino, mulheres-violoncelo e até mulheres-contrabaixo.

Mas como recusam-se a estabelecer aquela íntima relação que o violão oferece; como negam-se a se deixar cantar, preferindo tornar-se objeto de solos ou partes orquestrais; como respondem mal ao contato dos dedos para se deixar vibrar, em benefício de agentes excitantes como arcos e palhetas, serão sempre preteridas, no final, pelas mulheres-violão, que um homem pode, sempre que quer, ter carinhosamente em seus braços e com ela passar horas de maravilhoso isolamento, sem necessidade, seja de tê-la em posições pouco cristãs, como acontece com os violoncelos, seja de estar obrigatoriamente de pé diante delas, como se dá com os contrabaixos.

Mesmo uma mulher-bandolim (vale dizer: um bandolim) se não encontrar um Jacob pela frente, está roubada. Sua voz é por demais estrídula para que se suporte além de meia hora. E é nisso que a guitarra, ou o violão (vale dizer: a mulher-violão), leva todas as vantagens. Nas mãos de um Segovia, de um Barrios, de um Sanz de la Mazza, de um Bonfá, de um Baden Powell, pode brilhar tão bem em sociedade quanto um violino nas mãos de um Casals. Enquanto que aqueles instrumentos dificilmente poderão atingir a pungência ou a bossa peculiares que um violão pode ter, quer tocado canhestramente por um Jayme Ovalle ou um Manuel Bandeira, quer “passado na cara” por um João Gilberto ou mesmo o crioulo Zé-com-fome, da Favela do Esqueleto.

Divino, delicioso instrumento que se casa tão bem com o amor e tudo o que, nos instantes mais belos da natureza, induz ao maravilhoso abandono! E não é à toa que um dos seus mais antigos ascendentes se chama viola d´amore, como a prenunciar o doce fenômeno de tantos corações diariamente feridos pelo melodioso acento de suas cordas...Até na maneira de ser tocado – contra o peito – lembra a mulher que se aninha nos braços do seu amado e, sem dizer-lhe nada, parece suplicar com beijos e carinhos que ele a tome toda, faça-a vibrar no mais fundo de si mesma, e a ame acima de tudo, pois do contrário ela não poderá ser nunca totalmente sua.

Ponha-se num céu alto uma Lua tranqüila. Pede ela um contrabaixo? Nunca! Um violoncelo? Talvez, mas só se por trás dele houvesse um Casals. Um bandolim? Nem por sombra! Um bandolim, com seus tremolos, lhe perturbaria o luminoso êxtase. E o que pede então (direis) uma Lua tranqüila num céu alto? E eu responderei: um violão. Pois dentre os instrumentos musicais criados pela mão do homem, só o violão é capaz de ouvir e entender a Lua.

MORAES, Vinicius de. Para viver um grande amor: crônicas e poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. p.23-24.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Minha fraqueza, Teu poder


Minha fraqueza, Teu poder



André L. L. de Alcântara


Outra vez eu venho a Ti
Suplicando o Teu perdão.
Quantas vezes eu caí
Nessa mesma provação?

Duvidei do Teu amor
Decidi Te abandonar.
Quando tudo desabou
Vi minha vida terminar.

Foi então que percebi
Na fraqueza, o Teu poder
Se aperfeiçoa em mim
Se de Ti eu depender.

Pois eu sei que frágil sou
Mas não temo mais a morte
Porque quando fraco estou
É então que eu sou forte.
A Tua graça me bastou
Para eu poder viver
Me entrego a Ti, Senhor
P’ra fazer a Teu querer.

Não me importa mais fraqueza
Ou injúria e aflição.
Buscarei Tua grandeza
De joelho, em oração.

Oh! Senhor, me gloriarei
Nas fraquezas de meu ser
Pois mais forte eu serei
Se eu viver em Teu poder.

Quero um dia Te encontrar,
Receber na Tua luz
O poder que não tem par,
O poder de meu Jesus.


23 de setembro de 2005, 23h23

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Salmo 46




Salmo 46
(decassílabo)


André L. L de Alcântara


Refúgio e fortaleza é o nosso Deus.
Inda que sobre os mares caiam os montes,
Que venha assolação aos filhos Seus,
E a tempestade nos dilacere, antes,

Nada temeremos no mundo aqui,
Pois Deus nos reserva mansões reais,
O Santo Lugar, Morada de Deus.
Jardins tão lindos; não há como tais.

Mas na cidade de Deus há um rio,
Cujas correntes saciam as nações.
Beberemos dessa água na fonte;
Entoaremos, com anjos, mil canções.

“Aquietai-vos e sabei que Eu sou Deus.
Eis que posso fazer cessar a guerra.
Contemplai as obras de Minha mão.
Sou exaltado entre as nações da Terra.”

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Sábado X Domingo



Navegando ao léu, encontrei um artigo interessante a respeito dos fatores que favorecerão a guarda do domingo como dia santo.

Claro que o artigo tem um "ar" de conjectura, mas é bem possível que muitos dos fatores venham a se concretizar ou se combinar. O que interessa é que a guarda mundial do domingo vai ser implantada, quer nos oponhamos ou não. A maneira que isso vai acontecer vai ser conhecida somente quando vier às vias de fato. Mas é interessante já pensar nos caminhos que isso vai percorrer, e observar os sinais. E é isso o que esse artigo faz.


Segue o link:



Para economizar o trabalho do leitor, copiei também o texto abaixo.


Pesquisador Adventista aponta Fatores que Favorecerão a santificação do Domingo

Tema de controvérsia

No final dos tempos vai haver uma grande controvérsia sobre o dia em que devemos, segundo os mandamentos da Lei de DEUS, santificar como dedicado exclusivamente ao Senhor. Há no mundo três dias em questão: a sexta-feira, dia dos muçulmanos, o sábado, dia dos adventistas, outras igrejas e dos judeus e o domingo, dia da igreja católica, de muitas outras igrejas cristãs que herdaram esse dia do catolicismo, que o herdou do paganismo e espiritismo.

A controvérsia se dará não por iniciativa dos muçulmanos querendo defender a sexta-feira, nem por parte dos judeus ou adventistas, querendo defender o sábado, nem por parte dos pagãos, querendo defender o domingo, mas, por parte do protestantismo dos Estados Unidos, aliado ao Vaticano, para impor o domingo. Antes dessa imposição teremos em muitos lugares um debate em forma de controvérsia, na forma de pregação nas igrejas, e textos em jornais, revistas, livros e TV, e outros importantes meios de comunicação. Essa controvérsia já acontece, e tende a se acentuar cada vez mais. Ela chegará a seu auge quando o domingo for imposto pela força da lei, inicialmente nos Estados Unidos, e então, gradativamente, pelo mundo todo.

Que motivos hoje favorecem a santificação do domingo? Vejamos os mais importantes:

a) As pessoas não param mais de trabalhar, e os níveis de estresse estão cada vez mais elevados;

b) O comércio está sem limites para parar, se nada for feito, em algum tempo teremos não 40 horas por semana com lojas abertas, mas literalmente 168 horas;

c) A abertura do comércio aos domingos não aumenta significativamente as vendas na economia de um país, nem aumenta significativamente os impostos, segundo um estudo realizado por professores da USP, portanto, não há porque as lojas abrirem aos domingos;

d) Quem leva vantagem com a abertura aos domingos são as lojas dos grandes centros comerciais e de lazer; em detrimento, no caso, das lojas de rua;

e) Para reorganizar outra vez o que está saindo do controle, é necessária uma determinação legal em forma de lei, obrigando a todos o fechamento do comércio aos domingos, e assim também qualquer outra atividade econômica;

f) Para o Igreja Católica, a situação é de verdadeiro caos, pois, na realidade, não tem nenhum dia de guarda, pois os próprios católicos tanto vão à missa quanto trabalham em seu dia santo, isso reforça a necessidade de uma lei de força para esse dia ser guardado;

g) Torna-se claramente necessário estender a obrigatoriedade a todas as igrejas, até porque a maioria guarda o domingo. Ocorre que se algumas pessoas que santificam outro dia, o sábado ou a sexta-feira, não tiverem sobre elas obrigatoriedade alguma para seus respectivos dias santos, essa prática traria confusão na mente dos guardadores do domingo, e eles poderiam debandar para essas outras religiões, onde o dia de guarda nunca foi nem é obrigatório por força de lei civil.

h) Portanto, para organizar a vida dos membros da igreja católica, o que já está evidente, terá de ser feito por força de lei sobre os próprios católicos, também deverá abranger as demais religiões, pois, senão vai ficar contraditório, apenas os guardadores do domingo serem obrigados por força de lei.

i) Essa lei obrigará não somente a cessação do trabalho aos domingos, mas a obrigatoriedade da presença na missa e participação na eucaristia, conforme o documento de João Paulo II, Dies Domini.

j) Para isso, se evocará, como já está sendo, os decretos do império romano antigo, como jurisprudência e justificativa, de algo que já deu certo.

k) Ou seja, ao menos assim se ouve dizer, os católicos mais uma vez ficarão felizes por poderem guardar o domingo. Ora, eles estão sendo obrigados a trabalhar nos domingos não pelos muçulmanos nem pelos judeus nem pelos adventistas, mas pelos próprios católicos, que abrem seus negócios aos domingos. Os proprietários de comércio de outras religiões facilmente dariam o domingo livre a quem quisesse de fato santifica-lo, pois entendem que todos devem ser livres para prestar o culto que pensam ser o certo.

l) Também se utilizará, paralelamente, a necessidade de maior devoção às coisas da igreja, diante do espantoso aumento de tragédias, desastres e da violência. A causa, segundo as mensagens da virgem Maria, é porque há muitos que não santificam o domingo, nem vão à missa.

m) Ainda, paralelamente, ao mesmo tempo em que a igreja católica precisa resolver seus problemas internos de devoção e santificação ao domingo, está alcançando grande poder a pregação da verdade bíblica do sábado, justamente em contraste do domingo, o que traz o perigo dos católicos descobrirem que o domingo é falso, não bíblico nem por autorização divina, não é o dia dos cristãos, mas dos pagãos, e por ele não se adora aquele que fez (ver Apoc. 14:7). A rigor o domingo não pertence aos protestantes, nem aos católicos, mas aos pagãos.

n) Mais alguma coisa, o sistema de governo do planeta, da Nova Ordem Mundial, precisa dispor de um sistema de fidelidade a esse governo, ou seja, como há uma grave situação de descontentamento contra os EUA mundo afora, esse sistema de fidelidade se faz muito necessário. O domingo se presta bem para tal finalidade, ou seja, quem guarda o domingo estará prestando, semanalmente, uma espécie de garantia que concorda com o sistema de governo planetário em implantação, pois é uma ação conjunta dos EUA com o Vaticano e com o paganismo e espiritismo.

o) Também poderá servir de referencial a quem está de fato com os EUA no combate aos terroristas, e quem está contra;

p) Assim como servirá para identificar quem está com a ONU pelo projeto de “Paz e Segurança”, seu projeto prioritário que precisa de alianças e da união global para obter algum sucesso, e quem não está apoiando esse projeto;

q) Esse sistema todo, no seu conjunto, quer impor uma forma de adoração a satanás, mas isso não está nas manchetes, e nunca estará.

r) Os líderes muçulmanos não fundamentalistas e os seus políticos, que tem o poder, concordarão com a santificação do domingo, pois já há uma elegante simpatia pelo atual papa e por Maria, que se torna a santa universal, em lugar de JESUS. Ela está sendo cada vez mais bem aceita pelos muçulmanos. Os seus políticos, para defender a posição católica, são presentemente favorecidos com generosas somas em dinheiro, como profetiza Apoc. 18:3 e 11 a 16, países que se enriquecem à custa da luxúria da igreja que domina sobre os reis da Terra (Apoc. 17:18).

s) Os líderes judeus liberais também concordarão, pois assim se vê uma forma de resolver o caos que se instala na guerra entre palestinos e israelitas, fora de controle.

Portanto, a imposição do domingo tem múltiplos interesses: a consagração do presidente americano como líder sobre o planeta, como fez Constantino; a adoração da besta e do dragão; a solução de um problema da igreja católica dado que seus membros na verdade não santificam dia nenhum; a solução dos grandes problemas do mundo e a eliminação de igrejas que não se aliarem com o catolicismo paganizado. Isso demonstra que JESUS está por implementar grandes decisões em breve, e logo depois disso, vai voltar a esta terra.
-- Prof. Sikberto Marks. (Texto encontrado na internet.) Pesquisador Adventista

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

O VIOLÃO E O VILÃO

O violão e o vilão


Cecília Meireles


Havia a viola da vila

a viola e o violão.

Do vilão era a viola

E da Olívia o violão.


O violão da Olívia dava

vida à vila, à vila dela.

O violão duvidava

da vida, da viola e dela.


Não vive Olívia na vila

na vila nem na viola.

O vilão levou-lhe a vida.

Levando o violão dela.


No vale, a vila de Olívia

vela a vida

no seu violão vivida

e por um vilão levada.


Vida de Olívia – levada

por um vilão violento.

Violeta violada

pela viola do vento.


quinta-feira, 11 de setembro de 2008

O ANJO E O LIVRO


O anjo e o livro

André L. L. de Alcântara

André, o único bibliotecário daquela pequena cidade de Andaluz, passeava despreocupado pelo bosque que rodeava a cidade. Ao longe, também caminhando entre as belas árvores que cercava a cidade, vinha o filho do dono do circo. Ambos pararam assustados ante o que viam. Uma criança, ou melhor, um pequeno anjo em forma de uma linda menina de uns 6 anos chegou voando, mesmo que não tivesse asas, por entre as árvores. Não era como aquela imagem que a gente tem de anjos-criancinhas daqueles quadros antigos, de bebezinhos nus, cabelos louros e encaracolados, bem gordinhos e com pequenas asas como as de pássaros. Ela era como uma criança comum. Tinha cabelos lisos, mas bem cheios, usava uma roupa que parecia um casaco de pele marrom, mas que parecia tão macio como uma nuvem.

O anjinho parou a poucos metros de André, em um grosso tronco de uma árvore. Ela não percebeu sua presença porque estava com os olhos fixos na cidade, ou melhor no pequeno circo que estava sendo desmontado. O circo era lindo. Sua lona, toda em listras brancas e vermelhas, tão novinha que brilhava de longe. Tão bonito era o circo que fascinava até o anjinho. De repente, ela olhou para baixo e viu André ali parado, olhando para ela. Exclamou assustada:

—Oh!

Já iria retomar o vôo quando ele disse:

—Não! Espere! Pode ficar aí. Eu não vou te machucar.

Ela continuou olhando para André, parecia nem respirar de susto. Foi então que ele percebeu um cintilar nos olhos dela. E como eram lindos os olhos dela! Tão verdes como nunca vira em sua vida.

De novo um susto:

—Oh!

Era o filho do dono do circo, que já tinha se aproximado.

—Eu me chamo Sandoval. Vem! Eu levo você até o circo.

Com a confiança que só um anjo poderia ter ao reconhecer uma pessoa boa, ela, como num belo salto de uma bailarina, pulou de cima da árvore e pousou ao lado de Sandoval, pegou em sua mão e já foi andando. Alguns passos adiante o anjinho olhou para André e disse docemente:

—Vem!

Os três foram juntos em direção ao circo, de mãos dadas. O anjinho no meio e os dois homens segurando cada um uma mão dela.

Lá no circo, Sandoval foi mostrando tudo ao anjinho. Exclamava sempre:

—Oh!

Ela olhava fascinada tudo, como fosse uma grande novidade. Mas o que ela mais gostou foi da bailarina com roupa reluzente, que andava de monociclo em cima de uma corda, bem no meio do circo. Então Sandoval mandou buscar uma roupa igualzinha à da bailarina para o anjinho em forma de menina. Serviu-lhe perfeitamente. Dali do chão mesmo ela deu um salto e já foi parar lá no alto do picadeiro.

No mesmo instante, o pai de Sandoval, vendo a menina flutuar no ar, mandou chamar toda a cidade para o circo para assistirem a um número inédito: A menina que flutua sobre e corda. Logo, parecia que toda a população da cidade estava lá, adultos e crianças. Todos estavam ansiosos para ver o novo número. Depois de passar o homem que cospe fogo, os macacos amestrados, os palhaços e todos os números que todos já conheciam, veio aquele tão esperado.
Como fizera antes, a menina deu um salto e logo já estava lá em cima. Houve silêncio total. E ela ia e voltava na corda. Pulava e dava cambalhotas impossíveis, com e sem o monociclo. Quando, em outro salto fantástico, voltou ao chão, a platéia aplaudiu, gritou delirou. E foram embora felizes. André olha tudo sem dizer uma só palavra, estático.

Então, chegaram Sandoval e seu pai com muitas notas de dinheiro nas mãos. O pai de Sandoval dizia rindo:

—Com esse novo número eu vou ficar rico, rico, muito rico!

Sandoval também ria muito. Ele pegou umas notas e colocou nas mãos da menininha e saiu atrás de seu pai. Sem entender aquela atitude de Sandoval, o anjinho começou a chorar bem baixinho, com lágrimas brilhantes como brilhantina lhe escorrendo a face rosada. Neste instante, só André percebeu seu choro e foi consolá-la. Ela pegou o dinheiro e entregou nas mãos dele. Mas André também não queria aquele dinheiro. Só ele havia entendido que ela não fez tudo aquilo por qualquer recompensa material. Ele colocou as notas no chão.

O anjinho pegou de novo em sua mão, como antes, e foi o levando para aquele lugar em que se viram pela primeira vez. Só que agora chovia e fazia sol ao mesmo tempo. Quando chegaram naquela árvore, ela lhe deu um beijo na face e foi se virando. Ele disse:

—Espere. Leve-me com você.

Ela, com um lindo sorriso na face, voltou-se e entregou-lhe um livro. André, que era bibliotecário da única biblioteca da cidade, nunca tinha visto um livro como aquele. Era um livro fininho, com uma capa que era como uma pintura daquela primeira imagem que ele viu daquele anjinho ali na mata. Dentro do livro, só havia folhas em branco. Ele sabia o porquê: ele mesmo teria que escrever aquela história e mostrar a todo mundo. Mostrar e espalhar livros a todo lugar por onde passasse. Todos os tipos de livros. Essa era sua missão: disseminar o conhecimento a todos os lugares.

Mais que nunca passou a entender o valor de seu ofício e a dura tarefa que teria dali em diante. Agora era ele que chorava e ria ao mesmo tempo, assim como o céu chorava e ria ao mesmo tempo, naquela chuvosa tarde de sol.

Quando André tirou o olhar do livro não conseguia ver mais o anjinho. Teria sido um sonho ou uma visão aquilo tudo? Só aquele livro lhe denunciava que aquilo fora real. Mas no fundo, tudo era tão fantástico que ele não tinha certeza. Só tinha certeza do que tinha que fazer.


Verão de 2003

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A "MUDANÇA" DO CALENDÁRIO



Existe um questionamento a respeito da mudança de calendário realizada pelo papa Gregório no século XVI. Essa mudança ocorreu de fato, mas não alterou a ordem dos dias da semana, que continua a mesma. Segue a cópia de um capítulo do seguinte livro, cuja leitura recomendo a todos:
HAYNES, Carlyle B. Do sábado para o domingo: exame dos aspectos históricos da questão do sábado mostrando como, quando, por que e por quem foi feita a mudança do sétimo dia para o primeiro dia da semana. 6. ed. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1997. p. 70-79.
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A “MUDANÇA" DO CALENDÁRIO
O Calendário Gregoriano, agora em uso em todo o mundo, é preciso e exato. Será proveitoso, ao iniciar o estudo' das mudanças que levaram à sua adoção, ter o leitor perante os olhos um exemplar desse calendário, para cuidadosa observação. Sim, é esse mesmo que tendes pendurado na parede.
Olhai especialmente à ordem dos dias da semana. O domingo é o primeiro dia, a segunda-feira o segundo, a terça-feira o terceiro, a quarta-feira o quarto, a quinta-feira o quinto, a sexta-feira o sexto e o sábado o sétimo.
Os nomes dados a estes dias são todos de origem pagã. O domingo (Sunday), foi atribuído ao Sol; a segunda-feira (Monday), à Lua; a terça-feira (Tuesday), à deusa Tiw; a quarta-feira (Wednesday), ao antigo deus germânico da guerra, Woden; a quinta-feira (Thursday), ao antigo deus escandinavo do trovão, Thor; a sexta-feira (Friday), à deusa Frigga; o sábado (Saturday), ao deus Saturno. Os antigos nomes latinos destes dias, na ordem, são os seguintes: Dies Solis, Dies Lunae, Dies Martis, Dies Mercurii, Dies Jovis, Dies Veneris, Dies Saturni. Estes nomes foram dados em honra ao Sol, à Lua, e aos planetas Marte, Mercúrio, Júpiter, Vênus e Saturno, respectivamente.
E impressão geral que se registraram muitas mudanças do calendário entre o tempo de Cristo e o nosso. Isto não é verdade. Houve apenas uma: a mudança do Calendário Juliano para o Gregoriano. E essa não exerceu nenhuma influência sobre os dias da semana. Não houve nenhuma mudança nos dias da semana desde o tempo de Cristo; tampouco houve qualquer mudança antes disso, tanto quanto os registros o demonstrem. Os dias do mês foram deslocados, ao ser adotado o Calendário Gregoriano; os dias da semana, porém, não. Continuaram imutáveis desde o começo e são agora os mesmos de toda a história passada.
O calendário que foi usado na Palestina e em todas as províncias do Império Romano dos dias de Cristo era conhecido como o Calendário Juliano. Entrou ele em uso por autorização e no tempo de Júlio César, e é chamado pelo seu nome. Foi promulgado no ano 708 da cidade de Roma, cerca de 46 a.C.
Júlio César gostava de estar em evidência. Arrogou a si muitas prerrogativas. Chamou o sétimo mês pelo seu próprio nome, e por isso, é ele conhecido como julho, derivado de Júlio. É-nos dito que ao escolher um mês para chamá-lo pelo seu próprio nome, escolheu cuidadosamente o que tivesse trinta e um dias, pois considerava o seu nome digno de um dos mais longos meses do ano. O mês seguinte contava, naquele tempo, apenas trinta dias. César Augusto, o sucessor de Júlio, não se considerava de forma alguma inferior em importância a seu antecessor e, quando chamou de Agosto o oitavo mês, acrescentou-lhe mais um dia, tirando-o de fevereiro, de maneira que agosto tem tantos dias quanto julho.
O Calendário Juliano Inexato
O Calendário Juliano foi usado durante quinze séculos depois de Cristo, praticamente em todo o mundo civilizado. Não era, entretanto, um calendário exato: Supunha o ano como tendo 365 dias e um quarto, quando este tem doze minutos e uns poucos segundos menos do que isso. Não parece isto ser uma grande diferença, mas com o correr dos anos aumentou. Como resultado, durante o tempo do Calendário Juliano um pouco de tempo foi sendo perdido cada ano isto é, ele não se baseava exatamente nos movimentos dos corpos celestes, e o resultado foi que, de ano para ano o equinócio vernal, que no tempo de Júlio César ocorreu por volta de 25 de março, retrocedeu gradualmente para o dia primeiro de março. Cerca do começo do século dezesseis depois de Cristo, ocorreu por volta de 11 de março.
Foi somente no décimo terceiro século que os astrônomos começaram a escrever a respeito da inexatidão do Calendário Juliano. Alguns países da Europa desejavam tomar uma decisão no sentido de uma reforma do calendário. Mas nada foi feito durante muito tempo, porque havia necessidade de liderança e acordo, a fim de empreender a revisão do calendário, a qual o tomaria uniforme em todos os países.
Do Juliano Para o Gregoriano
Por fim, foi atraída a simpatia e interesse do próprio papado. Nos dias do Papa Gregório XII o calendário foi mudado, tendo sido feita uma correção de dez dias, a fim de que o dia 21 de março coincidisse com o equinócio vernal, onde ficara no tempo do Concílio de Nicéia, em 321, quando a questão da celebração da Páscoa foi solucionada por aquele concílio da igreja. (Ver Catholic Encyclopaedia, voI. III págs. 168 e 169, art. "O Calendário, Reformado"). Publicou ele uma bula, datada de 1º de março de 1582, anulando dez dias, de maneira que, o dia que deveria ser contado como 5 de outubro de 1582, foi considerado como 15 de outubro. O novo calendário recebeu o nome do papa em cujo pontificado foi instituído, o Papa Gregório. E ele, por conseguinte, conhecido como o Calendário Gregoriano.
O Calendário Gregoriano, que agora usais em vossos lares, e de acordo com o qual quase todo o mundo se orienta na contagem do tempo, foi, como dissemos, introduzido por proclamação do papa de Roma em 1582 a.D. A alteração que o fez entrar em vigor, uma alteração de dez dias entre ele e o antigo Calendário Juliano, foi efetuada na sexta-feira, 5 de outubro de 1582. De maneira que os dez dias que foram acrescentados, o foram apenas para que esse dia, que no Calendário Juliano era considerado 5 de outubro, fosse chamado 15 de outubro. Isso é tudo o que foi feito. E isto fez o ano do calendário coincidir com o equinócio vernal.
Nenhuma Alteração no Sábado
O dia ainda era sexta-feira, mas em vez de ser sexta-feira dia 5, era sexta-feira dia 15. Não houve nenhuma alteração no mês. Este continuou sendo outubro. Nenhuma alteração houve na semana. O mesmo quanto ao dia da semana. Continuou ele sendo sexta-feira. A diferença estava no dia do mês. Este era o dia 15 em lugar de ser 5. E isto é tudo.
O dia seguinte foi sábado, exatamente como o seria se o calendário não houvesse sido mudado. Com a diferença que era dezesseis, quando deveria ser seis. A mudança feita no calendário não ocasionou nenhuma mudança no sábado do Senhor, e não trouxe nenhuma dificuldade quanto à determinação do mesmo sétimo dia agora.
A Espanha, Portugal e a Itália adotaram imediatamente o Calendário Gregoriano. Pouco depois, no mesmo ano (1582), a França o adotou, denominando o dia 10 de dezembro dia 20. Os Estados católicos da Alemanha adotaram o novo calendário no ano de 1583, mas os Estados protestantes da Alemanha conservaram o anterior ou o Juliano, até o ano 1700. Nesse ano, os Países Baixos, como eram chamados, ou os holandeses, adotaram o novo calendário. Eles não se entendiam com o papado e por isso foram vagarosos em aceitar aquilo que consideravam procedente do papa.
A Inglaterra não adotou o novo calendário senão no ano 1752. A Suécia e a Dinamarca o aceitaram ao mesmo tempo em que os Estados protestantes da Alemanha.
Durante esse tempo, enquanto alguns países faziam o cômputo do tempo por um calendário e outros, pelo outro, os dias da semana continuaram exatamente os mesmos em todas as nações. Enquanto o sábado continuava a sê-lo na Espanha, em Portugal e na Itália, o era também na Inglaterra, embora até o ano 1700 conservassem uma diferença de dez dias em suas datas, e após 1700 tivessem uma diferença de onze dias.
A Inglaterra recusara-se aceitar o novo calendário porque nesse tempo se encontrava na fase da fundação do que mais tarde veio a ser conhecido como a Igreja da Inglaterra, e nada queria com o papado. A diferença no cômputo das datas, entretanto, resultou em confusão e dificuldade nas transações comerciais entre a Inglaterra e o continente. Por fim, os negociantes da Inglaterra fizeram tal agitação com respeito ao assunto, que esse país foi obrigado a aceitar o novo, calendário, o qual foi reconhecido como exato e preciso.
No estudo da própria História, observareis de vez em quando, ao serem feitas referências a certas datas, as letras "S.A." ou "N.S." Sua finalidade é indicar se se faz referência ao calendário do sistema antigo ou ao do novo.
Mudada a Data, Não o Dia
Foi a 2 de setembro de 1752 que o calendário do novo sistema, o gregoriano, foi aceito pelo Parlamento inglês. O decreto do Parlamento diz simplesmente que o dia seguinte a 2 de setembro seria chamado 14 de setembro. O dia era quinta-feira. No sistema antigo, ou Calendário Juliano, deveria ser quinta-feira, dia 3. O ato do Parlamento, aceitando o Calendário Gregoriano, tornou-o quinta-feira, dia 14. A diferença entre o sistema antigo e o novo, naquela época, elevou-se a onze dias. O dia dois de setembro foi seguido pelo dia 14 desse mês. O dia do mês foi mudado, mas não o dia da semana. O dia dois era quarta-feira. O dia seguinte, 14, foi quinta-feira. Teria sido quinta-feira se a mudança não fora feita. Mas seria quinta-feira, dia três; agora era quinta-feira, dia 14. O seguinte a esse foi sexta-feira, dia 15, e em seguida o sábado, dia 16. Se a mudança não houvesse sido feita, aquele sábado seria 5 de setembro. Mas ainda seria sábado. Era o sétimo dia da semana no continente; era-o também na Inglaterra; era o sétimo dia em todas as partes. As datas fixadas no continente, para aquele dia, haviam sido diferentes na Inglaterra. Agora se tornaram a mesma. Mas o dia não foi mudado. O dia não se perdeu. Não houve confusão quanto ao assunto. A mudança feita não afetou os dias da semana em nada. Eles continuaram, e permaneceram sempre os mesmos.
Desde 1582, quando o novo sistema de calendário foi adotado na Itália até 1752, quando foi adotado na Grã-Bretanha, há uma diferença de 170 anos. . Durante' todos estes 170 anos, enquanto os países do continente Europeu estavam usando o novo sistema de calendário, a Inglaterra esteve usando o antigo. Por algum tempo eles tiveram dez dias à parte em seus cálculos, e mais tarde onze dias. Mas durante todo, esse tempo os dias da semana foram sempre os mesmos tanto no continente como na Inglaterra. Não houve confusão alguma quanto a eles. Certamente esta é uma evidência convincente de que a mudança do calendário não causou nenhuma diferença nos dias da semana.
Com Calendários Diferentes, mas com os Mesmos Dias.
A Rússia e a Grécia continuaram usando o calendário antigo. Elas achavam-se sob a influência da Igreja Grega, a qual não estava de acordo com a maneira de pensar de Roma; por isso não adotaram o novo calendário. A Romênia, a Sérvia e a Turquia, entretanto, admitiram finalmente o Calendário Gregoriano em 1919, e a Rússia Soviética efetuou a mudança logo depois da revolução. Em nenhuma dessas mudanças os dias da semana foram atingidos. Por esse tempo a diferença entre os dois calendários era de catorze dias.
Conquanto as datas na Alemanha não fossem as mesmas na Rússia, os dias eram exatamente os mesmos. Quando era segunda-feira na Rússia, o era igualmente na Alemanha; embora estes países estivessem sob calendários diferentes. Quando chegou o sábado, o sétimo dia da semana, na Alemanha, foi sábado também na Rússia, embora as datas do calendário tivessem catorze dias a mais. Aquilo que a Enciclopédia Britânica chama de a "inalterável uniformidade" da semana jamais foi atingido pelas mudanças do calendário. Portanto; o dia do sábado não foi mudado nem alterado ou atingido no mínimo grau por tais mudanças.
Dessa forma não permitais que pessoa alguma confunda o vosso pensamento ao falar acerca de mudança do calendário. Os que realmente sabem como a mudança foi feita, estão certos de que a introdução do calendário não atinge de maneira alguma os dias da semana. Na verdade, o próprio calendário é um dos melhores meios de confirmar o fato indiscutível de que o sétimo dia é o mesmo da criação.
O Mesmo Sétimo Dia da Criação
Cremos que a Bíblia é a verdade. Ela ordena a observância do sétimo dia da semana. Esse sétimo dia idêntico ao da criação pôde ser encontrado, caso alguém deseje encontrá-lo. E de pode ser identificado mesmo que alguém queira fazê-lo desaparecer. Não há meio algum pelo qual possa ele ser perdido de vista. Quando ó Sol se põe na sexta-feira à noite. O mesmo sétimo dia da criação tem início. E o mesmo sétimo dia que o mandamento de Deus nos ordena, guardar. Este mandamento declara: "O sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus; não farás nenhuma obra." Por conseguinte, quando o Sol se põe sexta-feira à noite, estais em tempo sagrado.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

TEU AMOR

Teu amor


André L. L. de Alcântara

Às vezes penso nos caminhos meus

E me lembro das minhas paixões

Sinto a dor de trazer dor ao meu Deus

Eu me arrependo das minhas ações



Sofreste pra dar a vida por mim

Quando te entregaste naquela cruz

Meus tantos pecados em carmesim

Foram então lavados por meu Jesus


Mas o teu amor cobre minha transgressão

Me recompensaste com o que não mereço

De graça me coroaste com o teu perdão

Mas o teu amor cobre minha transgressão

Desse tão grande amor não mais me esqueço

Só quero agora fazer Teu meu coração



Como pode um amor assim haver

Que até o coração de Deus embaraça?

Jamais eu poderei te agradecer

Por essa tão maravilhosa graça!


04 de setembro de 2005, 2h45

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

LÁGRIMA E DOR

LÁGRIMA E DOR

Passo o dia,
Passa a vida
Por que essa dor não passa?
Falta-me o ar
Está rarefeito
Está raro
Está feito

Essa lágrima não seca
Essa lágrima não sai
Essa lágrima não cai
E me inunda por dentro
Afoga-me por dentro
Incendeia
Queima
Arde
Ai

Sei o porquê dessa dor
Só não sei por que não passa
Não passa
Não passa
Não
Não
Não
Não pára de doer
Não pára
Não


André L. L. de Alcântara, 28 ago. 2008, 10h00

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

PROCRASTINAÇÃO



Artigo interessantíssimo da Revista Vida Simples.

DEPOIS EU FAÇO

Afinal, por que tanto adiamos tarefas, decisões, planos, sonhos e mudanças em nossa vida? Eis um assunto para ser tratado aqui e agora

por Eugênio Mussak

Procrastinação
vem do latim procrastinatione, descrita pelos dicionários como o ato de adiar, delongar, demorar, espaçar ou, simplesmente, transferir para outro dia. E os chegados à prática são chamados de procrastinadores - o que pode, para os menos avisados, soar como um elogio.
- Sabe o que você é? Um procrastinador!
- Que é isso. Bondade sua.

Do ponto de vista psicológico, a
procrastinação pode ser entendida como uma dificuldade em definir prioridades a partir de elementos não emocionais. Em outras palavras, a dificuldade em definir o que vai ser feito a partir da importância que tem, e não a partir do prazer colhido em sua execução. Mas, falando com sinceridade, sabemos exatamente como isso funciona (que atire a primeira pedra quem nunca procrastinou).

Está claro que é uma espécie de arte, exige algum talento. Porque não há nada de errado em deixar para depois alguma coisa. Às vezes, é isso mesmo que temos de fazer: deixar para depois. Ora, é preciso saber gerenciar prioridades. Assim, deixar a gasolina chegar à reserva, cortar o cabelo na outra semana, prorrogar o início de uma nova atividade física ou espiritual, tudo isso é bem humano - cada um sabe onde aperta o calo, como diziam nossas avós. O problema é quando a
procrastinação se arrasta, torna-se contumaz e envolve os outros. Aí ela começa a ficar perigosa, e a produzir conseqüências desastrosas.

Em 1955, o historiador inglês Cyril Northcote Parkinson (1909-1993) publicou nas paginas da revista The Economist uma tese muito interessante: as pessoas sempre utilizam para realizar uma tarefa, independentemente de sua importância, o máximo do tempo disponível. Trocando em miúdos: se você tiver uma hora para realizar uma tarefa, é esse o tempo que vai dispender para realizá-la, mas se dispuser de quatro dias, não tenha dúvida que irá utilizar todo esse tempo.


Essa tese acabou sendo tão bem compreendida e aceita por todo mundo, que se transformou em uma lei, a "lei de Parkinson", cujo enunciado é:


"O trabalho expande-se de modo a preencher o tempo disponível para sua realização".


A idéia dessa lei pode ser percebida praticamente todos os dias, tanto em nossa vida profissional quanto pessoal, se não em nós mesmos, em alguém que está por perto, convivendo conosco. Observe as pessoas ao seu redor, analise o comportamento delas e perceba que é isso mesmo. Dificilmente alguém antecipa a conclusão de uma tarefa, deixando o tempo livre para depois. Temos a impressão de que, ao utilizarmos todo o tempo que dispomos, estendendo nossa empreitada até o último minuto, faremos o trabalho melhor.


O que está errado nesse raciocínio é que não utilizamos todo o tempo disponível no trabalho, mas na
procrastinação - o elemento oculto da história. De quatro dias disponíveis para a realização de um trabalho, existe grande chance que a concentração maior ocorra no último dia. E o pior é que os outros três, que poderiam ter sido mais bem utilizados, são carregados de uma certa "sensação de culpa", que fica assombrando nosso inconsciente como um fantasma que, se tivéssemos total autocontrole, poderíamos afastar com um sopro, usando o fôlego da responsabilidade.

A pior aplicação da lei de Parkinson dá-se quando a tarefa não tem prazo definido para ser realizada. Coisas como estudar espanhol, escrever um livro, plantar uma horta ou realizar um antigo sonho podem ser jogadas para um futuro incerto, e acabam nunca se realizando. E todo mundo conhece alguém que está esperando sabe-se lá o quê para "fazer o que sempre quis na vida". É a
procrastinação tamanho GG, que dura até o último suspiro.

A verdade é que uma em quatro pessoas encontra-se neste momento praticando alguma modalidade de
procrastinação. Talvez, aqui ou ali, a conseqüência seja desprezível, mas sempre ocorre algum prejuízo da eficiência e do resultado. Mas por que, afinal, nós procrastinamos? Qual o nível que define quando essa prática é apenas um comportamento normal e aceitável e quando passa a ser um hábito danoso à pessoa?

Na Case Western Reserve University, próxima a Cleveland, Ohio, Estados Unidos, os professores de psicologia Roy F. Baumeister e Dianne M. Tice dedicam-se ao estudo de alguns componentes da personalidade que interferem no comportamento e na produtividade das pessoas, tais como a auto-estima, a autoconfiança, o estresse, as relações e também a
procrastinação.

Eles dizem que os procrastinadores mais freqüentes são os que têm menor consciência da realidade. Os sócios desse clube acreditam que a realidade desconfortável poderá ser mudada se for ignorada. É a síndrome do avestruz, que segundo a lenda enfia a cabeça num buraco. Ao relegar uma tarefa desagradável para outro momento, a pessoa espera, inconscientemente, que a mesma se resolva por conta própria durante esse tempo. Ora, quem dera.


Eis aí um comportamento extremo, desprovido de lucidez, de maturidade. É por isso que a
procrastinação vira um problema no início da idade adulta, quando devemos dar sinais de independência, assumir responsabilidades por nossos próprios atos.

Batata frita no deserto
Procrastinar pode nos trazer um súbito conforto, por nos afastar da fonte de desprazer, mas esse alívio sempre será temporário, o que nos coloca em uma ciranda destrutiva, geradora de ansiedade. Por isso não é incomum a relação entre a
procrastinação crônica e a depressão, sem que saibamos qual se instalou antes. A verdade é que elas se retroalimentam. Um outro aspecto curioso é que a procrastinação nem sempre deriva do desejo inconsciente de adiar o desprazer, mas também do desejo de prolongar a perspectiva do prazer. Equivale a esperar mais um pouco para tomar água, quando a sede já estiver insuportável.

Lembro-me de uma propaganda de refrigerante que mostrava um homem atravessando um deserto, entrando em um bar e pedindo um saco de batata frita. Ele queria sentir ainda mais sede antes de acabar com ela.


A necessidade biológica que temos de obter prazer e evitar sofrimento faz com que nosso cérebro crie mecanismos às vezes divertidos, às vezes prejudiciais. Por trás do comportamento procrastinador está a motivação - ou a falta dela. Motivação é a condição psicológica que move uma pessoa a praticar uma ação.


E está cada vez mais claro que somos movidos por esse combustível, e que ele não pode ser carregado de fora para dentro. É uma energia que as pessoas eficazes têm condições de produzir por si mesmas, espontaneamente.


Eis por que é tão fundamental uma visão clara da realidade e do que queremos para nós nesta vida: no fundo mesmo, o que nos afasta de uma determinada tarefa? Por que não nos sentimos motivados a realizá-la? Cada um deve saber perguntar e responder essas coisas intimamente.


Nas minhas observações, descobri que convencer os outros e a mim mesmo de que é melhor deixar pra amanhã, porque hoje não dá mais tempo, faltam alguns dados e, de qualquer maneira, não tem tanta pressa assim, etc., acaba consumindo mais energia do que a necessária para a realização da tarefa. Caiu uma ficha.


Dá até para listar alguns dos motivos internos, mentais, ligados ao hábito de procrastinar, e uma leitura deles pode ajudar no esclarecimento da questão (sem nenhuma intenção de classificar ninguém, mas se num ou outro perfil a carapuça lhe servir, por favor, não se acanhe):
  • Dificuldade em lidar com o tempo. Às vezes perder a noção e não conseguir calcular o tempo necessário para a realização de uma tarefa;
  • Necessidade imperiosa de evitar o desprazer. Não conseguir se concentrar em nada que gere desprazer ou que não gere prazer imediato, por não estabelecer relação entre esforços e resultados;
  • Falta de noção de prioridade. Dificuldade em definir o que é importante e o que é urgente (muito comum hoje em dia, quando tudo parece importante e urgente).
  • Estresse. Nesse estado, há uma tendência a escapes involuntários, a dedicar- se a tarefas secundárias como forma de alívio;
  • Autoapreciação comprometida. Não conseguir ser senhor de suas ações, depender da ingerência alheia para apresentar alguma produtividade ou evitar procrastinações.
E como combater a procrastinação, essa vocação visceral, totalmente humana? Alguns velhos e bons princípios podem ajudar:
  • Fazendo primeiro o que é importante, pois o prejuízo da procrastinação de uma tarefa menos importante é menor (infelizmente, o conceito "importante" não vem com manual de instruções, temos de decidir sozinhos);
  • Colocando na frente as tarefas menos agradáveis, impedindo-se a dissipação de energia mental, que fica drenando durante o dia;
  • Dedicando mais tempo a fazer o que é importante, mas não é urgente (quando for urgente já estará feito);
  • Dando-se conta de que tarefas de execução desagradável, desde que realizadas com determinação, sempre dão resultados agradáveis;
  • Percebendo que as coisas que há para fazer podem ser de três tipos: aquelas que esperamos de nós mesmos, aquelas que o meio onde estamos espera de nós e - o melhor dos mundos - aquelas que atendem nossos quereres e os dos outros.
Nesse último ponto, mais uma vez, o valor da interiorização, do autoconhecimento, da soberania interna, do livre-arbítrio e da percepção afinada e madura do mundo - tudo isso, vale dizer, está correlacionado.

Aliás, está no significado das palavras autonomia e heteronomia: autônomo (auto = próprio, nomos = norma, lei) é aquele que escreve suas próprias normas de conduta, ou que acata serenamente as normas gerais - não por medo de repreensão ou castigo, mas por aceitá-las como suas, como sendo verdadeiras; o heterônomo apenas obedece às normas estabelecidas por outras pessoas, resignado e triste, o que é bem diferente.


É claro que o que se espera do indivíduo adulto, no mínimo, é que ele seja autônomo, responsável, capaz de controlar sua própria vida, fazendo as coisas certas nos momentos certos, sem prejudicar ninguém. Uma coisa de cada vez, e com noção precisa da prioridade, da responsabilidade e do tempo. E veja:
todos nós sabemos disso!

MUSSAK, Eugênio. Vida Simples, São Paulo: Ed. Abril, n. 4 , abril de 2006.