quinta-feira, 11 de setembro de 2008

O ANJO E O LIVRO


O anjo e o livro

André L. L. de Alcântara

André, o único bibliotecário daquela pequena cidade de Andaluz, passeava despreocupado pelo bosque que rodeava a cidade. Ao longe, também caminhando entre as belas árvores que cercava a cidade, vinha o filho do dono do circo. Ambos pararam assustados ante o que viam. Uma criança, ou melhor, um pequeno anjo em forma de uma linda menina de uns 6 anos chegou voando, mesmo que não tivesse asas, por entre as árvores. Não era como aquela imagem que a gente tem de anjos-criancinhas daqueles quadros antigos, de bebezinhos nus, cabelos louros e encaracolados, bem gordinhos e com pequenas asas como as de pássaros. Ela era como uma criança comum. Tinha cabelos lisos, mas bem cheios, usava uma roupa que parecia um casaco de pele marrom, mas que parecia tão macio como uma nuvem.

O anjinho parou a poucos metros de André, em um grosso tronco de uma árvore. Ela não percebeu sua presença porque estava com os olhos fixos na cidade, ou melhor no pequeno circo que estava sendo desmontado. O circo era lindo. Sua lona, toda em listras brancas e vermelhas, tão novinha que brilhava de longe. Tão bonito era o circo que fascinava até o anjinho. De repente, ela olhou para baixo e viu André ali parado, olhando para ela. Exclamou assustada:

—Oh!

Já iria retomar o vôo quando ele disse:

—Não! Espere! Pode ficar aí. Eu não vou te machucar.

Ela continuou olhando para André, parecia nem respirar de susto. Foi então que ele percebeu um cintilar nos olhos dela. E como eram lindos os olhos dela! Tão verdes como nunca vira em sua vida.

De novo um susto:

—Oh!

Era o filho do dono do circo, que já tinha se aproximado.

—Eu me chamo Sandoval. Vem! Eu levo você até o circo.

Com a confiança que só um anjo poderia ter ao reconhecer uma pessoa boa, ela, como num belo salto de uma bailarina, pulou de cima da árvore e pousou ao lado de Sandoval, pegou em sua mão e já foi andando. Alguns passos adiante o anjinho olhou para André e disse docemente:

—Vem!

Os três foram juntos em direção ao circo, de mãos dadas. O anjinho no meio e os dois homens segurando cada um uma mão dela.

Lá no circo, Sandoval foi mostrando tudo ao anjinho. Exclamava sempre:

—Oh!

Ela olhava fascinada tudo, como fosse uma grande novidade. Mas o que ela mais gostou foi da bailarina com roupa reluzente, que andava de monociclo em cima de uma corda, bem no meio do circo. Então Sandoval mandou buscar uma roupa igualzinha à da bailarina para o anjinho em forma de menina. Serviu-lhe perfeitamente. Dali do chão mesmo ela deu um salto e já foi parar lá no alto do picadeiro.

No mesmo instante, o pai de Sandoval, vendo a menina flutuar no ar, mandou chamar toda a cidade para o circo para assistirem a um número inédito: A menina que flutua sobre e corda. Logo, parecia que toda a população da cidade estava lá, adultos e crianças. Todos estavam ansiosos para ver o novo número. Depois de passar o homem que cospe fogo, os macacos amestrados, os palhaços e todos os números que todos já conheciam, veio aquele tão esperado.
Como fizera antes, a menina deu um salto e logo já estava lá em cima. Houve silêncio total. E ela ia e voltava na corda. Pulava e dava cambalhotas impossíveis, com e sem o monociclo. Quando, em outro salto fantástico, voltou ao chão, a platéia aplaudiu, gritou delirou. E foram embora felizes. André olha tudo sem dizer uma só palavra, estático.

Então, chegaram Sandoval e seu pai com muitas notas de dinheiro nas mãos. O pai de Sandoval dizia rindo:

—Com esse novo número eu vou ficar rico, rico, muito rico!

Sandoval também ria muito. Ele pegou umas notas e colocou nas mãos da menininha e saiu atrás de seu pai. Sem entender aquela atitude de Sandoval, o anjinho começou a chorar bem baixinho, com lágrimas brilhantes como brilhantina lhe escorrendo a face rosada. Neste instante, só André percebeu seu choro e foi consolá-la. Ela pegou o dinheiro e entregou nas mãos dele. Mas André também não queria aquele dinheiro. Só ele havia entendido que ela não fez tudo aquilo por qualquer recompensa material. Ele colocou as notas no chão.

O anjinho pegou de novo em sua mão, como antes, e foi o levando para aquele lugar em que se viram pela primeira vez. Só que agora chovia e fazia sol ao mesmo tempo. Quando chegaram naquela árvore, ela lhe deu um beijo na face e foi se virando. Ele disse:

—Espere. Leve-me com você.

Ela, com um lindo sorriso na face, voltou-se e entregou-lhe um livro. André, que era bibliotecário da única biblioteca da cidade, nunca tinha visto um livro como aquele. Era um livro fininho, com uma capa que era como uma pintura daquela primeira imagem que ele viu daquele anjinho ali na mata. Dentro do livro, só havia folhas em branco. Ele sabia o porquê: ele mesmo teria que escrever aquela história e mostrar a todo mundo. Mostrar e espalhar livros a todo lugar por onde passasse. Todos os tipos de livros. Essa era sua missão: disseminar o conhecimento a todos os lugares.

Mais que nunca passou a entender o valor de seu ofício e a dura tarefa que teria dali em diante. Agora era ele que chorava e ria ao mesmo tempo, assim como o céu chorava e ria ao mesmo tempo, naquela chuvosa tarde de sol.

Quando André tirou o olhar do livro não conseguia ver mais o anjinho. Teria sido um sonho ou uma visão aquilo tudo? Só aquele livro lhe denunciava que aquilo fora real. Mas no fundo, tudo era tão fantástico que ele não tinha certeza. Só tinha certeza do que tinha que fazer.


Verão de 2003

2 comentários:

MissCris disse...

Que lindinho! Fiquei encantada com a doçura do anjinho...

bibliandre disse...

Também gostei! Acho que a figura combinou certinho com a história!
André