segunda-feira, 23 de maio de 2016

Parece um sonho...



Parece um sonho...

“Parece um sonho que ela tenha morrido!”
diziam todos… Sua viva imagem
tinha carne!… E ouvia-se, na aragem,
passar o frêmito do seu vestido.


E era como se ela houvesse partido
e logo fosse regressar da viagem…
– até que em nosso coração dorido
a Dor cravava o seu punhal selvagem!


Mas tua imagem, nosso amor, é agora
menos dos olhos, mais do coração.
Nossa saudade te sorri: não chora…


Mais perto estás de Deus, como um anjo querido.
E ao relembrar-te a gente diz, então:
“Parece um sonho que ela tenha vivido!”

Mário Quintana

(In: Quintana de bolso – Ed. L&PM Pocket)

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

A que tudo ocupa


A que tudo ocupa 

Tudo ficou sem sentido.
A poesia, a flor, o sol, a melodia
São tão vazios sem ela.
O calor tem um sopro gélido
Que ergue uma pontada 
Lá de fundo do coração
Gritando a todo ressoar 
Seu nome dissilábico.
É a saudade de alguém 
Que só chegou aos meus braços 
Após perder aquela centelha inexplicável,
A fim de que minhas lágrimas banhassem sua face,
E ela pudesse levar consigo 
Um pouquinho de mim.

Ela está presente aqui.
Vejo sua sombra em todos os cantos.
Corro mas não a encontro
Para tocá-la, envolvê-la e beijá-la.
Inalcançálvel, inatingível, indelével.
Sempre ocupando tudo,
Porque nada deixou
Além do vazio
Repleto de sua ausência.

18/02/2015

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

A ponte



A PONTE

Elas são irmãs que não se encontram
Como a noite e o dia,
No vagar do coração se revezam
Trazendo o fogo ardente ou a brisa fria.

Atrás de si apenas um rastro deixam,
Denunciando o seu partir.
Fragrante perfume por onde passam
Para que uma sinta a outra sair.

Só há um lugar onde seus olhares se enlaçam,
Que lugar é esse? Eu te dou uma dica:
Uma ponte onde a Presença e a Ausência se encontram
É quando um filho se vai e o outro fica.

André LuiZ
18 de agosto de 2014
6 meses sem a Maitê
6 meses com o Teo

quinta-feira, 17 de abril de 2014

A companheira


A COMPANHEIRA

Não é que a dor passe
Porque ela não passa
Mas você se acostuma com ela
Ela vira sua fiel companheira

É como um zumbido no ouvido
Que não o deixa por nem um segundo
Mas que depois de um tempo
Você é obrigado a conviver com ele
E você segue a vida apesar do som incessante na sua cabeça

Ou como uma sombra negra e fria
Sempre colada ao seu passo
Você sabe que ela sempre está lá
Mesmo que não olhe para ela
No meio dia, ela está encolhidinha sob seus pés
No começo e no fim do dia
A sombra é enorme, muito maior que você
Do tamanho de um gigante com pernas e braços desproporcionais
E à noite, sua presença é total
Envolve você e tudo ao seu redor
E você pensa que ela vai engolir a sua alma.

Sinto sua presença aqui agora
Ela não conversa comigo
Nem me cumprimenta
Apenas me abraça
E me entorpece com seu hálito gélido
Chora comigo silenciosamente
Lágrimas secas e molhadas. 

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

René Descartes e as "provas da existência de Deus"



Descartes aceitava que o mundo tivesse sido criado por Deus, aceitava que, se Deus existisse, ele seria garantia e suporte de todas as outras verdades. Mas, como saber se Deus existe ou não? Como provar a sua existência se apenas podia ter a certeza da existência do cogito?

Nas suas obras, Descartes apresentou três provas da existência de Deus.

1ª Prova a priori pela simples consideração da ideia de ser perfeito

“Dado que, no nosso conceito de Deus, está contida a existência, é correctamente que se conclui que Deus existe.

Considerando, portanto, entre as diversas ideias que uma é a do ente sumamente inteligente, sumamente potente e sumamente perfeito, a qual é, de longe, a principal de todas, reconhecemos nela a existência, não apenas como possível e contingente, como acontece nas ideias de todas as outras coisas que percepcionamos distintamente, mas como totalmente necessária e eterna. E, da mesma forma que, por exemplo, percebemos que na ideia de triângulo está necessariamente contido que os seus três ângulos iguais são iguais a dois ângulos rectos, assim, pela simples percepção de que a existência necessária e eterna está contida na ideia do ser sumamente perfeito, devemos concluir sem ambiguidade que o ente sumamente perfeito existe.”

Descartes, Princípios da Filosofia, I Parte, p. 61-62.

A prova é magistralmente simples. Ela consiste em mostrar que, porque existe em nós a simples ideia de um ser perfeito e infinito, daí resulta que esse ser necessariamente tem que existir. (Argumento na minha opinião sem o minimo de cabimento)

2ª Prova a posteriori pela causalidade das ideias

Descartes conclui que Deus existe pelo facto de a sua ideia existir em nós. Uma das passagens onde ele exprime melhor esta ideia é:

“Assim, dado que temos em nós a ideia de Deus ou do ser supremo, com razão podemos examinar a causa por que a temos; e encontraremos nela tanta imensidade que por isso nos certificamos absolutamente de que ela só pode ter sido posta em nós por um ser em que exista efectivamente a plenitude de todas as perfeições, ou seja, por um Deus realmente existente. Com efeito, pela luz natural é evidente não só que do nada nada se faz, mas também que não se produz o que é mais perfeito pelo que é menos perfeito, como causa eficiente e total; e, ainda, que não pode haver em nós a ideia ou imagem de alguma coisa da qual não exista algures, seja em nós, seja fora de nós, algum arquétipo que contenha a coisa e todas as suas perfeições. E porque de modo nenhum encontramos em nós aquelas supremas perfeições cuja ideia possuímos, disso concluímos correctamente que elas existem, ou certamente existiram alguma vez, em algum ser diferente de nós, a saber, em Deus; do que se segue com total evidência que elas ainda existem.”

Descartes, Princípios da Filosofia, I Parte, p. 64.

A prova consiste agora em mostrar que, porque possuímos a ideia de Deus como ser perfeitíssimo, somos levados a concluir que esse ser efectivamente existe como causa da nossa ideia da sua perfeição. De facto, como poderíamos nós ter a ideia de perfeição, se somos seres imperfeitos? Como poderia o menos perfeito ser causa do mais perfeito?

Deste modo, conclui, já que nenhum homem possui tais perfeições, deve existir algum ser perfeito que é a causa dessa nossa ideia de perfeição. Esse ser é Deus.

3ª Prova a posteriori baseada na contingência do espírito

“Se tivesse poder para me conservar a mim mesmo, tanto mais poder teria para me dar as perfeições que me faltam; pois elas são apenas atributos da substância, e eu sou substância. Mas não tenho poder para dar a mim mesmo estas perfeições; se o tivesse, já as possuiria. Por conseguinte, não tenho poder para me conservar a mim mesmo.

Assim, não posso existir, a não ser que seja conservado enquanto existo, seja por mim próprio, se tivesse poder para tal, seja por outro que o possui. Ora, eu existo, e contudo não possuo poder para me conservar a mim próprio, como já foi provado. Logo, sou conservado por outro.

Além disso, aquele pelo qual sou conservado possui formal e eminentemente tudo aquilo que em mim existe. Mas em mim existe a percepção de muitas perfeições que me faltam, ao mesmo tempo que tenho a percepção da ideia de Deus. Logo, também nele, que me conserva, existe percepção das mesmas perfeições.

Assim, ele próprio não pode ter percepção de algumas perfeições que lhe faltem, ou que não possua formal ou eminentemente. Como, porém, tem o poder para me conservar, como foi dito, muito mais poder terá para as dar a si mesmo, se lhe faltassem. Tem pois a percepção de todas aquelas que me faltam e que concebo poderem só existir em Deus, como foi provado. Portanto, possui-as formal e eminentemente, e assim é Deus.”

Descartes, Oeuvres, VII, pp. 166-169.

Descartes demonstra agora a existência de Deus a partir do facto de que não nos podemos conservar a nós próprios. Se não podemos garantir a nossa existência, mas apesar disso existimos, é porque alguém nos pode garantir essa existência.

O cogito é, assim, a expressão final sintética e intuitiva do processo de aplicação metódica da dúvida. Com efeito, é através deste processo que se atinge a substância da alma como puro pensamento (res cogitans) e que se define a essência do homem por via desta substância: eu penso, logo existo (cogito ergo sum).

Fonte: Fórum Filosofia

terça-feira, 30 de abril de 2013

Onde e aonde: diferenças



Nos tempos mais antigos do idioma, ‘onde’, graças à sua natureza de advérbio de lugar, se aplicava tanto à circunstância de lugar real (= neste local), quanto à de lugar virtual ou figurado, nos seus matizes semânticos de vizinhança, aproximação, ou direção. Tais matizes favoreciam o emprego de ‘onde’ reforçado por preposição: a (aonde), de (de onde, donde), etc. Por isso, desde sempre os escritores podiam usar indiferentemente ‘onde’ e ‘aonde’, por exemplo, nas indicações de repouso (Nasci onde/aonde você nasceu) ou movimento (Fui onde/aonde você foi), a ponto de ocorrerem na mesma frase, ou bem próximo, as duas formas, como neste poema de Cláudio Manuel da Costa, poeta árcade brasileiro do século XVIII: “Nise, onde estás? Aonde? Aonde?”

A partir do século XIX, com o maior cuidado dos gramáticos para estabelecer disciplina no uso da modalidade formal na língua escrita, procurou-se evitar esse uso indiscriminado de ‘onde’ e ‘aonde’, e se passou a recomendar ‘onde’ para a circunstância de repouso (Nasci na cidade onde você nasceu), ‘aonde’ para circunstância de direção (Fui aonde você foi) e ‘de onde’ ou ‘donde’ para a noção da origem, procedência, ponto de partida (De onde você vem?, Donde nasceu essa ideia? Perguntaram-me donde procede essa história?). Parece que o primeiro gramático a propor esta distinção entre o ‘onde’ e ‘aonde’ foi o dicionarista fluminense Antônio de Morais Silva, em 1813. Todavia, a proposta não alcançou o resultado desejado, principalmente no uso oral. No texto escrito formal a lição corre vitoriosa, apesar dos descumprimentos raros — é verdade — que hoje ainda se registram.

Portanto, esforcemo-nos por atender a esta lição da gramática normativa: Se o enunciado encerra a ideia de repouso, usa-se ‘onde’: onde estou, onde nasci, onde moro, onde trabalho, onde estudo, etc. Se a ideia é de movimento, usa-se ‘aonde’: aonde vou, aonde me dirijo, aonde me levaram, etc. Se a ideia é de origem, procedência, ponto de partida, usa-se ‘de onde/donde’: donde venho, donde saí, donde parti, etc.

Evanildo Bechara, Academia Brasileira de Letras
Publicado em: O Dia (RJ), 12/2/2012

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Negros e africanos amaldiçoados?



Nota de esclarecimento e repúdio quanto à suposta maldição sobre negros e africanos


A Aliança Evangélica vem a público para repudiar o uso inadequado das Escrituras Sagradas, a Bíblia, juntamente com as interpretações e afirmações daí decorrentes, especificamente as feitas quanto a supostas maldições existentes sobre africanos e negros. Afirmações dessa natureza são fruto de leitura mal feita de parágrafos bíblicos, tomados fora do seu contexto literário e teológico, que acabam por colaborar com os interesses de justificar pensamentos e práticas abusivas, contrárias ao espírito da Palavra de Deus, cujo foco está na Justiça, na Libertação e na promoção da Vida e Dignidade Humana. O texto em questão, que tem servido de pretexto para declarações insustentáveis, tanto em púlpitos, redes sociais, na tribuna do Parlamento e até protocoladas junto à Justiça Federal, sob o manto da imunidade parlamentar, versa sobre o significado da passagem bíblica encontrada no livro de Gênesis capítulo 9, versos 20 a 27.

Nessa passagem Noé, embriagado, despe-se e assim é surpreendido por seu filho Cam que, ao invés de manter a discrição e o respeito devidos ao pai, o anuncia aos seus irmãos; estes se recusam a ver o pai nesse estado e, sem olhar para ele, cobrem-no com uma manta. Desperto Noé, ao saber da postura de seu filho Cam, amaldiçoa seu neto Canaã, filho de Cam, destinando-lhe a servidão.

O equívoco em questão dá a entender que a maldição proferida pelo patriarca bíblico contra Canaã, seu neto e filho de Cam, atinge os seres humanos de tez negra que habitaram, originariamente, o continente africano, o que explicaria os vários infortúnios em sua história passada e presente, culminando no longo período em que foram feitos escravos no Ocidente; e que o ato de Cam em ver a nudez de seu pai, mais do que um desrespeito, indica um ato de violação sexual por parte de Cam.

Queremos salientar enfática e categoricamente:

1. Cam teve outros filhos: Cuxe, Mizraim e Pute, e somente Canaã foi amaldiçoado.

2. Embora o comportamento inadequado descrito no texto bíblico tenha sido o de Cam, filho de Noé, o objeto específico da maldição foi Canaã, o neto de Noé. [Segundo Orígenes, um dos pais da Igreja, do século 3, Canaã foi quem avisou seu pai sobre a situação do seu avô, publicando o que deveria ter mantido sob reserva.] Amaldiçoar, no senso bíblico, não determina a história, mas descreve a consequência da quebra de um princípio estabelecido pelo ato desrespeitoso; portanto, significa a percepção de efeitos e desdobramentos de um comportamento específico. Ou seja, a postura de Cam e de seu filho Canaã estabelece um padrão comportamental que resultaria numa situação de inversão paradoxal, em que alguns dentre os descendentes de Canaã se tornariam dominados e serviçais dos seus irmãos.

3. Canaã, neto de Noé, foi habitar e estabeleceu-se na região a oeste do rio Jordão, até a costa do Mediterrâneo (sudoeste da Mesopotâmia), onde os descendentes de Canaã desenvolveram práticas absurdas, inclusive o sacrifício de crianças, e não no continente africano!

4. É de entendimento entre os teólogos especialistas no Antigo Testamento que a maldição profética de Noé sobre Canaã foi cumprida quando da conquista da região povoada pelos descendentes de Canaã, os cananeus, por parte dos filhos de Jacó, sob o comando de Josué há mais de três milênios.

5. A maldição proferida sobre Canaã pelo seu avô Noé significou uma percepção e discernimento sobre uma tendência comportamental de um grupo humano, antevendo o resultado de uma corrupção cultural e civilizatória específica e localizada, e em consequente servidão, e de modo nenhum faz referência à cor da sua pele.

6. Não há nada, absolutamente nada, nem nesse texto bíblico em foco nem na Escritura como um todo, que indique qualquer maldição sobre negros e africanos, e muito menos algo que justifique a escravidão.

7. O texto bíblico precisa ser lido em seu contexto imediato e considerado à luz da totalidade da Escritura, como saudáveis práticas de interpretação bíblica nos ensinam. De acordo com o próprio capítulo 9 de Gênesis, verso 1 e seguintes, é indicado que o desejo de Deus e Sua promessa visam a abençoar, dar vida, alimento e todo o necessário para o desenvolvimento de todos os descendentes de Noé, seus filhos e de toda a família humana. A declaração divina de abençoar a Noé e seus descendentes é firme e abrangente, e não pode ser contestada ou reduzida pela declaração relativa e descritiva de Noé a respeito de seu neto.

8. Deus reafirma o desejo de abençoar toda a humanidade, todas as famílias da terra, raças e etnias no episódio descrito na sequência da narrativa bíblica, quando da vocação de Abrão (Gênesis 12), intenção que tem seu ápice e culminância na pessoa, vida e ministério de Jesus e continuado em curso na Igreja. Em Cristo, toda maldição é destruída e uma Nova Criação é estabelecida, sendo chamados a participar desse novo concerto todas as nações, etnias, raças, povos e famílias de todas as terras e da Terra toda, sendo revogadas assim todas as maldições e oferecida salvação a todas as pessoas.

9. A alegada violação sexual de Cam a Noé não é sustentada pelo texto. A citação do texto da lei de Moisés que chama a violação de descobrir a nudez não dá suporte a tal alegação, uma vez que os verbos usados são diferentes na raiz e no significado: no primeiro caso, trata-se de observação a distância; e, no segundo caso, trata-se de ato deliberado contra outrem.

10. Toda vez, na história, que esse texto foi aventado a partir dessa hipótese vulgar, tratou-se de ato de má fé a serviço de interesses escusos, seja quando usado para justificar a escravidão de ameríndios no Brasil colonial, seja quando usado para justificar a escravidão dos africanos de tez negra, seja quando utilizado para a elaboração de sistemas legais de segregação social como o que ocorreu nos Estados Unidos, seja quando usado para justificar a política nefasta e mundialmente condenada do “apartheid”.




Tal leitura equivocada da Escritura corre o risco de ser vista como suspeita de esconder outros interesses de natureza política, econômica e de dominação social e religiosa. Não há nenhum apoio bíblico para defender qualquer maldição sobre negros ou africanos, que fazem parte, igualmente e em conjunto, da única família humana.

Lamentamos o equívoco provocado por tal vulgarização do texto bíblico, bem como a banalização quanto ao conteúdo de nossa fé, assim como repudiamos qualquer tentativa, intencional ou não, de uso inadequado do texto para quaisquer fins que não o de promover a vida, a libertação e a justiça, como a própria Escritura expressa muito bem.


Fonte: Ultimato